FAZER O PÃO

Às terças e quintas, sem nunca faltar, ele entregava as encomendas de pães nos escritórios do edifício. Chegava com uma enorme caixa de isopor, repleta de delícias e, tão logo a abria, a sala inteira se enchia de um aroma quente de centeio ou linhaça. Quem havia encomendado o pão sentia, naquele instante, a boa sorte das coisas pequenas; quem não encomendara, entrava na fila de torcer para que sobrasse alguma raridade. Era um perfume de saúde intensa, o calor úmido do pão recém cozido, sabor de maravilhas. Nenhum chegava inteiro em casa. E ele tinha a receita para tanta certeza:

“Eu gosto de fazer pão.” – sorrindo.

Então numa terça-feira ele não apareceu. As pessoas se resignaram a comprar os pães menos saborosos nos mercados, desejando que chegasse logo a quinta-feira, mas naquele dia ele também não veio. Alguém resolveu telefonar, mas foi a voz sumida de sua esposa que respondeu:

“Ele foi atropelado. Está em coma no hospital.” – a perna estilhaçada, o braço quebrado em mil lugares.

A comoção tanta de todos, o pão e o amigo faltando. O pessoal do escritório ligou as vezes que entendeu necessárias, em solidariedade medida, estamos aí para o que for preciso, e depois disso, a vida seguiu adiante. Vez por outra, alguém lembrava de telefonar ao padeiro. Do outro lado da linha, tristeza cansada na voz, ele respondia que estava se recuperando devagar. Primeiro, com cadeira de rodas; depois, duas muletas; agora, já andava com uma só.

“Vou estar bom quando puder fazer o pão de novo.”

******

Ontem ele apareceu novamente no edifício. Não pode trazer aquela caixa enorme e cheia de pães, porque um dos braços ainda se ampara na muleta. Mas trouxe uma sacolinha, quatro ou cinco pães feitos logo há pouco, e não houve quem conseguisse convencê-lo a aceitar qualquer pagamento.

“É por conta da casa.”

Está feliz. E não só por estar vivo, por conseguir andar, por retornar ao movimento, por saber que daqui a um tempo, estará livre da última muleta. É, principalmente, porque voltou a fazer pão.

“O pão é minha vida.” – resume ele, sorriso simples.


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