O FLECHA
Ninguém conseguia pegá-lo. Era um menino pequeno e frágil, pernas final que mal lhe agüentavam a leveza, mas quando começava a correr não havia quem o alcançasse. No campinho de futebol, a bola nos pés, nem a botinadas conseguiam pará-lo quando abicava em direção ao gol. Mas não era de futebol que ele gostava. Gostava era de correr – correr mais rápido que todos os outros meninos. E tão mais rápido que, no bairro, ninguém o conhecia pelo nome; para todos os guris, reverenciando seu talento, ele era o Flecha. Ele ria tímido por dentro, porque o reconheciam naquilo que mais gostava. Um talento raro. O Flecha.
O pai disse que procurariam um clube para treinar, depurar aquele dom. Dom, dizia o pai – e o Flecha, menino, feliz.
Mas nem sempre as coisas são como devem ser.
Houve o dia em que a mãe do Flecha não voltou mais, ninguém nunca soube a razão, e o pai só atinava em ficar chorando pelos cantos, tristeza humilhada. Dali em diante, não se falou mais em clube para treinar, o Flecha gastando-se em corridas inúteis pelo pátio e vencendo sem sorriso toda a vizinhança, até que o pai um dia levantou os olhos derrotados do chão e enxergou no filho um homem quase pronto.
“Tem que trabalhar.” – disse antes de voltar ao seu mundo de esquecimentos.
Mas o Flecha só sabia correr. Foi tentar um emprego de cobrador de ônibus e nada. Sapateiro e também não. Quando tentou uma vaga de pedreiro e disse que sua especialidade era a corrida, riram em sua cara:
“Ninguém corre para carregar cimento.”
Nenhum emprego e as chances se indo, passando-se os anos e ninguém mais a admirá-lo, o clube que nunca chegou. O emprego que também não veio: ninguém precisava de um corredor.
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Ele hoje anda meio sem rumo pelas ruas da cidade e, passados estes anos todos, ainda é só nisso que pensa – que se tivesse tido a chance, as coisas seriam melhores. Enquanto isso, percebe que, no outro lado da calçada, a velhinha olha as vitrines descuidada de sua bolsa.
Hora do Flecha entrar em ação, ele pensa.
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