AS PALAVRAS ATIRADAS
Quando ela disse que, se cruzasse a fronteira daquela porta, não precisaria mais voltar, era tarde; ele já era um passo apressado e decidido de saída, e parar naquele instante pareceria demasiada capitulação. Ele então afundou o pisar, estalos desafiantes no assoalho, e bateu a porta com a força do seu teatro, orgulho desabrido, como se aquilo fosse a única coisa a fazer.
Leva as tuas coisas contigo para não entrar mais aqui, ainda gritou ela, sem se mexer do sofá onde estava; ele respondeu que não precisava, sem maior convicção e torcendo para que ela não ouvisse, quando já estava com um pé na noite e outro na rua.
Não volta mais, gritou ela, furiosa, como se precisasse reforçar a negativa, como se os espaços dele estivessem preenchidos desde então, as gavetas, o lugar na mesa, o canto do sofá em frente à televisão, o copo bojudo para o vinho, o lado esquerdo da cama, o travesseiro amassado, o despertador sempre às sete. Com a mesma fúria, ele escutou o grito atravessar a escuridão, chamando os vizinhos para dentro de mais aquela briga, e pensou que o melhor seria não responder nada mesmo. Se respondesse, pensou, todos os vizinhos saberiam que ele não queria mesmo voltar.
Se ela houvesse se mexido do sofá e fosse à janela, teria percebido os passos duros do companheiro se distanciando, resolutos e fortes, barulho de quem parece saber bem o que quer. Mas se permanecesse ainda um pouco na janela, meio escondida atrás das cortinas transparentes, também perceberia que o barulho terminara logo na esquina, refugiado sob a luz amarela e incompleta do poste.
E se ele olhasse para trás e a houvesse divisado sob a moldura fraca da janela, talvez percebesse que os gritos dela tinham menos verdade que volume.
Mas nem ela foi à janela, nem ele olhou para trás.
É por isso que, apoiado no poste e escondido sob a luz, ele chora porque não sabe o que fazer e nem para onde ir. E ela, sentada no sofá de onda ainda não se mexeu e nem se mexerá por horas, apenas chora com a mesma intensidade, enquanto olha a porta de entrada e já começa a esperar.
Outros Contos
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