FILME FRANCÊS
Tantos lugares vagos no cinema, e ela sentou-se logo ao meu lado. Estranhei por um segundo - estranhamento bom, sem tremores. As luzes já estavam apagadas, mas foi como se, em vez de ser conduzida, ela mesma guiasse o lanterninha em direção à poltrona ao lado da minha. Parecia, de verdade, que estava decidida a sentar-se ali, mesmo que todo o resto do cinema permanecesse quase vazio – filmes franceses geralmente não atraem grande público. Mas sentou-se como se estivesse sozinha, como se eu não estivesse ali – olhando firme em direção à tela onde já apareciam os trailers das próximas estreias. Na escuridão incompleta e difusa da sala, consegui perceber que era bonita, e havia em seus gestos uma simplicidade tão elegante – sentar-se, cruzar as pernas, passar a mão nos cabelos, esfregar os olhos, suspirar sem dar-se conta do suspiro – que desejei melhor conhecê-la. Sorri à mulher, como a dar-lhe boas vindas ao meu lado, mas ela não pareceu perceber - o filme já estava começando e era nele que estavam as suas atenções. Mas eu, ora! Eu já pouco conseguia atentar ao filme. Afinal, ela sentara assim ao meu lado por alguma razão maior, só podia ser, e o perfume claro que exalava só ajudava a aumentar minha angústia e a impedir que eu conseguisse apenas fazer aquilo para o qual havia comprado ingresso. E quando nossas peles se tocaram sem querer, no braço comum das poltronas, achei que ela se assustaria, mas isso não aconteceu. Apenas deixou-se ficar, tranqüila e decidida, e o calor perfumado de seu braço evanesceu o resto da atenção que eu ainda tentava prestar ao filme. Os dois braços se tocando e ela assistindo a película. Mas que mulher era aquela, eu perguntava, que tantos os seus mistérios recém chegados? A beleza da angústia onde eu entrava, o coração descompassado no calor daquele braço desconhecido. Eu precisava saber mais daquela mulher. Precisava. Então, risco calculado, coloquei a mão sobre o seu braço, como se fôssemos namorados numa sessão de cinema. Ela estremeceu num breve de susto; então me olhou pela primeira vez e, sem dizer nada, deu-me um sorriso tão educado quanto desistido. Um sorriso que parecia dizer, resignado, que existem palermas em todos os lugares do mundo. Depois, com uma suavidade que parecia pedir desculpas, tirou minha mão de cima de seu braço. E, como se novamente eu não existisse, levantou-se e partiu, antes do filme terminar.
Outros Contos
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