TOM MENOR

Porque há muitos anos não se viam, foi mesmo uma festa quando se encontraram. Andavam pela rua da metrópole, cidade que separa amigos no tempo, e ambos até se assustaram quando se reconheceram de imediato. Os dois bem mais velhos, claro; mas Junior é quem tinha o ar mais cansado. Junior, o cantor da turma, apaixonado por música. O moleque que conquistava as meninas da escola cantando para elas as músicas num inglês inventado.

Agora estava ali, o Junior, magro como sempre fora, camisa comportada para dentro das calças, os cabelos raros e brancos – e cansado. E uns olhos tristes.

“Rapaz, há quanto tempo!” – disse o outro – “E que surpresa!” – batendo nos ombros de Junior – “E o que é que andas fazendo?”

Junior disse que trabalhava no departamento de recursos humanos de uma empresa. Há mais de dez anos estava lá – era o chefe.

“E a música?” – perguntou o outro.

“Parei. Faz tempo” – respondeu Junior. – “Não dava.”

E contou que tivera possibilidade, mas não seguira adiante. Meia dúzia de shows em barzinhos, a viagem marcada para São Paulo, o teste na gravadora, a grande chance.

“Mas não fui. Na hora, tive medo. A insegurança, sabe?”

O outro não sabia – a música era a paixão de Junior, sempre cantando no meio da aula. E com os olhos alegres.

“Mas não me arrependo, não me arrependo. Se eu tivesse ido, podia até ter dado certo. Mas também podia ter dado muito errado. Quantos a gente vê que se perdem no caminho? Por isso, não arrisquei.” – a voz quebrada - “E agora tenho o meu emprego, a segurança, minha casa, um carrinho, os dois filhos em escola particular. Não me arrependo, não me arrependo...” – repetia ele, como se precisasse se convencer.

Depois olhou para o amigo reencontrado após todos estes anos e comentou:

“E ainda canto na festa de fim de ano da empresa.”

Mas a voz de Junior - o outro subitamente se dera conta - já não era a mesma. Havia uma quebra dentro dela, algo difícil de explicar.


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