EMÍLIA AO TELEFONE
Emília pega o telefone do gancho, antigo aparelho analógico, e disca vagarosamente para o número que ainda há pouco desenhara, letra trêmula e caprichada, em seu bloquinho de anotações. Espera em ânsia contida, redivivo sorriso de criança enfeitando-lhe o rosto, e quando percebe que há alguém falando do outro lado da linha, tranca a respiração e não fala nada, a fim de que a outra pessoa não possa percebê-la. A pessoa pergunta quem é, quem é, depois xinga aquela respiração suspensa com o primeiro palavrão que lhe apareça, e desliga. Ela, então, desliga também.
Emília espera um tanto, alguns minutos que a recuperem da excitação e do xingamento recém recebido, e disca o outro número telefônico que anotara no caderno. Que tipo de voz responderá ao chamado, pergunta-se – mas o telefone lhe devolve um angustiante sinal de número ocupado. Droga, pensa ela – é o máximo de indelicadeza que se permite. Com quem estará falando esta pessoa que, por isso, não pode atendê-la?
Aguarda uns instantes e disca novamente para o mesmo telefone. Desta vez, tem sorte. Na terceira chamada, já há uma voz feminina assustada a responder alô, alô, talvez pensando que quem liga é a mesma pessoa que telefonara ainda há pouco, para completar o assunto, contar ainda outra novidade, encerrar a discussão. A voz de mulher diz alô no outro lado da linha umas quatro ou cinco vezes, e parece tão atormentada com aquela mutez telefônica que Emília acha melhor tranqüilizá-la um pouco.
“Bom dia.” – diz ela, esquecendo-se que são duas e meia da madrugada.
E desliga novamente o telefone, pronta para ligar ao próximo número anotado.
*****
Emília tem oitenta e dois anos e está viúva há treze. Tem três filhos, mas eles moram longe ou estão muito, muito ocupados e pouco podem visitá-la (é o que lhe dizem, é o que ela se diz). As amigas foram aos poucos ficando no caminho.
É com estes telefonemas que espanta a solidão. Pouco importa que a conta do telefone seja um pouco alta no final do mês.
O que importa é poder escutar alguma voz.
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