O AUMENTO (versão final)

Gerson está sentado, pequeno, na poltroninha em frente à secretária. A mulher o olha, às vezes, com um sorriso tão protocolar e cansado que é como se nem ele e nem ela estivessem ali. Mas, na maioria do tempo, ela parece não percebê-lo. Ele mesmo se percebe pouco; sempre é desconfortável esperar para falar com o patrão, mesmo que seja para pedir aumento. Na verdade, nestas horas é ainda mais incômodo – ele pensa.

Nas vezes anteriores, a conversa não dera resultado. É que viera despreparado, ele conclui. Apenas pedira o aumento, certo de que o merecia e o receberia, mas o velho não lhe dera muitos ouvidos. Depois, atravessando-o com o olhar (decerto a secretária aprendera com o patrão), fizera aquela cara de coitado que sempre sabia fazer quando era necessário. Dissera que a fábrica ia mal, que a crise, que a concorrência, que precisaria despedir empregados, que a hora não era de pedir aumento e sim manter o que já se tinha. Depois, olhando o relógio, dissera a Gerson que voltasse ao trabalho.

Mas hoje, não. Hoje seria diferente. Ensaiara o pedido de reajuste em casa, com Geneci. A mulher o auxiliara nas partes mais difíceis do discurso. E não precisaria fingir qualquer cara de coitado, como velho fizera das outras vezes. Porque a situação estava mesmo difícil. O patrão sabia disso; Gerson trabalhava na empresa há quatro anos e ninguém lhe escutava qualquer queixume gratuito. Mas agora o peso de tudo era grande: o aluguel, a precisão de umas coisas novas para a casa, o material escolar dos meninos, os remédios que dona Dejanira precisa tomar, o mercado tão caro. O salário não dava.

Hoje, ele não vai poder me dizer não, pensa Gerson. Não vou conseguir encarar Geneci e as crianças se o velho não me der um aumento. Não vou voltar para casa com uma negativa. Se o velho me disser que não, então sei lá, sou capaz de fazer uma besteira.

Uma besteira, pensa Gerson.

E coloca a mão no peito, por dentro do casaco - como se fosse mesmo necessário -, para certificar-se mais uma vez de que o punhal ainda está ali.


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