TORMENTO
À hora exata em que me deito, eles começam a disputar comigo um lugar no travesseiro. Querem espaço, o melhor – e conseguem. Há noites em que são ruidosos, desabridos, impetuosos, adolescentes chegando em casa; há vezes em que, ao contrário, gritam baixinho, infância ferida, e me incomodam em seu silêncio manchado. Passam horas neste combate triste, e só consigo dormir quando eles, cansados de tanto me atormentar, já adormeceram. Eles precisam dormir antes. E se atravessam a noite em claro, cruzo eu a madrugada com os olhos em chama. Na manhã seguinte, exaurido, observo as olheiras que me consumirão o dia, enquanto eles parecem rir do meu cansaço: sou uma sombra andante e eles sabem disso.
Um tormento.
Entro sozinho no carro, tranco as portas, fecho bem os vidros – e estão eles ali, ao meu lado ou ainda mais próximos, dividindo comigo a poltrona responsável do motorista. Onde quer que eu vá, seguem eles na mesma direção. Atormentam o trajeto, disputam a atenção que precisava ser só da estrada, escurecem caminhos claros. Ligo o rádio, canto meus desafinos, penso em bobagens, falo alto, conto uma anedota, converso comigo mesmo – tudo para afugentá-los, como se fosse possível. Então eles parecem recrudescer minhas angústias; quanto mais alta a música, mais alto também os escuto. A viagem não anda.
Tormento.
Chego em casa à noite e quero livrar-me do peso do dia. Penso que é hora de tomar um uísque, comer um sanduíche, olhar qualquer coisa na televisão, apenas para relaxar – mas quando vejo, eles estão por ali, espalhados pelo chão, desafiadores. Prontos para o meu alerta.
E naquela noite não descansarei.
O tempo todo, eles. Ou a possibilidade deles.
Não é que surjam do nada, não; sei, desde sempre, que estarão comigo à hora em que quiserem.
Mas não consigo me acostumar com meus fantasmas.
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