BETÂNIA EM SEUS SONHOS
Betânia sempre soube escolher os próprios sonhos. Desejava sonhar com flores e então sua noite era um campo cheio de margaridas; pensava em algum cheiro bom e seu quarto acordava rescendendo a alfazemas; lembrava de pai e mãe e seu sono mergulhava nas cores boas da infância; pensava no colega bonito e seus lençóis amanheciam úmidos.
Assim, controlava as noites e equilibrava os dias. Houvesse o dia sido duro e o sonho seria leve; se o dia fora tranqüilo, o sonho podia correr um pouco mais. Um deleite, este poder – invejado por todos.
Mas cansam as vitórias muito fáceis e então houve o dia em que Betânia achou que não devia mais sonhar apenas com obviedades, com o esperado. Tudo tão chato. Não só um campo de margaridas, o colega, as lembranças da infância – tão previsíveis, noite após noite -, mas sim, por exemplo, as flores sendo engolidas por dinossauros no meio da cidade, o colega em gritos de desespero por motivos que desconhecesse, a infância sacudida por tremores adultos. Emoções novas e inesperadas nos sonhos, era o que desejava Betânia. Sonhos misturados, um pouco fora de controle. Certamente seriam mais divertidos.
E então relaxou e começou a sonhar sem fronteiras.
Mas os sonhos de Betânia, antes tão comportados, pareceram gostar deste descontrole. E decidiram ir além do que ela decidira.
Betânia começou a sonhar mais com dinossauros do que com os campos de margarida, mais com os tremores adultos do que com a própria infância, e o colega de trabalho apareceu sem cabeça no meio de uma madrugada desavisadamente violenta. E todos os outros sonhos assim: perigosos, descontrolados, assustadores, desconhecidos.
Betânia tentou voltar às noites tranqüilas, mas não conseguiu: o sono parecia haver ganho uma vida nova, com emoções tão inesperadas quanto perigosas, e já não se rendia às ordens de sua dona. As noites de Betânia agora sonhavam por si. Um horror.
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Há duas semanas que Betânia não prega o olho. Está morrendo de sono, prestes a colapsar de cansaço, mas não se entrega, tanto o seu medo. Se não pode mais decidir os seus sonhos, ao menos decidiu que já não dormirá mais.
Porque nunca sabe o perigo que encontrará no próximo sonho.
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