O DIA EM QUE A INFÂNCIA TERMINA
A menina descansa sob a sombra da árvore quando o carro para ao sinal vermelho. Porque é domingo, não há movimento: nenhum outro carro a aguardar.
“Quer bala de goma, tio? Dois por um real.” – ela pergunta, a voz miúda atravessando o vidro fechado.
O motorista abre a janela, sorriso amplo, e estende à menina uma nota de dois reais.
“Pode ficar com o troco.” – diz ele. – “Compra uma coisa pra ti.”
Ela também sorri com seus dentes faltantes, as pernas finas da fome. O homem olha rapidamente o sinal e volta à vendedorinha.
“Como é o teu nome?” – ele pergunta.
“Quetlin.” – diz a pequena, olhando curiosa para dentro do carro.
“E quantos anos tu tem?” – pergunta ele.
Ela não responde; apenas segue em seu sorriso e mais nada.
“Deixa eu adivinhar? Dez?”
“Sim.” – mas se ele dissesse quinze ou sessenta, talvez a resposta fosse a mesma.
“E onde estão o teu pai e a tua mãe?”
“Eu não tenho mais pai. Minha mãe tá dormindo.” – e aponta para um lugar indefinido, embaixo da ponte ao lado do semáforo.
“Tá sozinha aqui?”
“A mãe tá dormindo.” – ela repete, como se isso significasse algo.
Ele olha o semáforo: o sinal já esverdeou, mas pouco importa.
“Quer dar um passeio? O tio te compra sorvete, um refrigerante.”
A pequena vacila um instante, espécie de alarme desconhecido; e também precisa vender o resto das balas.
Mas o homem parece adivinhar.
“O tio compra as tuas balas. E lá em casa tem um monte de brinquedos. Boneca, casinha. Não quer ir lá?”
Brinquedo, pensa Quetlin, ouvindo a palavra mágica aos oito anos que, na verdade, tem. A mãe não vai acordar logo; e quando acordar, tonta de loló, vai demorar a perceber.
“Quero.” – ela decide.
E entra no carro.
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