POR ONDE ANDARÁ A INFÂNCIA?
O ônibus rodava em silêncio na madrugada recente, atravessando as luzes artificiais da cidade. Uns poucos passageiros a bordo: os empregados das horas extras, namorados saídos do cinema, alguns estudantes dos cursos noturnos, uns poucos vagos que aproveitavam os bancos do coletivo para dormitar, eu. Quase ninguém falava; quem ainda estava de olhos abertos mirava a paisagem dormente da cidade lá fora, as vitrines fechadas, os raros caminhantes.
Quando o menino entrou no ônibus, talvez apenas eu tenha atentado ao seu tamanho. Teria uns dez anos, se tanto, mas não aparentava mais do que seis. As perninhas finas da dureza, a camiseta encardida, a bermudinha ganha na assistência social, a caixa de balas de goma ainda precisando ser vendida. E fumava uma bagana recolhida da rua, o pequeno – que humanidade se poderia esperar dele daqui a alguns anos?
“Joga fora este cigarro, moleque!” – reclamou o cobrador.
“Deixa eu quieto, tio!” – respondeu o garoto, e em sua voz havia o desafio dos que são sempre escorraçados.
“Mas não pode fumar no ônibus! E onde já se viu um guri deste tamanho fumando?” – as pessoas levantando os olhos, prestando atenção. O menino, tenso.
“Tou com treze anos, tio! Deixa eu na minha!” – mentiu o garoto, e deu uma tragada em seu matarrato. Depois, disfarçou a tosse.
“E se eu comprar todas as tuas balas, tu apaga este cigarro?” – resolvi eu me meter, disposto a não ver mais aquela cena que me fazia tão mal.
O garoto me olhou e sorriu; depois olhou o cigarro e a caixinha de balas.
“Ô, demorou, tio!” – e me estendeu a caixinha, enquanto apagava o cigarro com o pé no assoalho sujo do ônibus; parecia acostumado a isso.
Paguei as balas, sem saber o que mais tarde faria com elas, e o garoto me agradeceu com um sorriso pintado de cáries.
“Valeu a força, aí.” – disse ele, e ficou durante um tempo ao meu lado, enquanto contava o dinheiro e o colocava no bolso.
Depois, me fez um sinal de positivo e foi sentar-se mais à frente, num banco vazio, próximo ao motorista.
E então acendeu outro cigarro.
Outros Contos
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