ERENITA

Ela acabara de puxar para cima a minissaia, a fim de deixar mais à mostra as perninhas finas e mal saídas da adolescência, quando escutou o chamado, voz cheia de surpresa.

“Erenita! Tu por aqui?”

Erenita levantou os olhos e, à sua frente, estava Geraldo. Um vizinho, morava seis ou sete casas além da sua - isso, no outro lado da cidade. Parecia gente boa, trabalhador, casado e pai de família, cumprimentava com respeito a cada vez que ela passava. O que um cara sério como ele estava fazendo por ali? – pensou ela.

“Mas que surpresa, Erenita!” – ele insistia, nenhum dos dois evitando o constrangimento.

(Mas o padrasto de Erenita também era gente boa, trabalhador e sério, sempre meio pronto a ajudar algum vizinho que precisasse. O que não impediu que, num dia em que ele e a enteada estavam sozinhos, houvesse pulado sobre ela, tirado sua roupa à força e feito o que bem quisesse. E então a ameaçou: se abrisse a boca, seria pior.)

“Engraçado a gente se encontrar aqui...” – Geraldo parecia se justificar, alguma vergonha.

(Depois daquela, tantas outras vezes. Erenita muda e triste, prisioneira num silêncio aterrado, o padrasto sorrindo para todos -o boa gente - e para ela, sorriso pegajoso. A mãe sem saber ou fingindo não saber. Foram meses, anos – e sempre o medo, sempre. Até que um dia pegou suas roupinhas e achou que a rua – qualquer lugar na rua – era melhor do que a casa. E fugiu, sem saber para onde.)

Está na rua, desde então. E na vida.

“Teu pessoal está preocupado, Erenita! Volta prá casa!” – pediu Geraldo.

Ela então subiu a minissaia ainda um pouco mais e enlaçou o vizinho pelo pescoço, os braços de quem já sabe.

“Minha casa é aqui.” – disse, apontando a rua, o nada. – “E não me chama de Erenita. Meu nome agora é Cassandra.”


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