REUNIÃO DANÇANTE
Então me vejo confiante, as calças US Top e sorriso largo, os tênis Bamba branquinhos que minha mãe só deixa usar em ocasiões especiais, a camiseta em que um surfista doma a maior onda do mundo com a perícia que é sonho e vontade distantes para este completo desengonçado em que estou me transformando. Estou feliz neste sábado à tarde, nesta cidade do interior, nesta década de setenta, nesta reunião dançante na casa da Monique – o convite diz que ela irá até as sete da noite, mas nossa certeza adolescente adivinha que conseguiremos dobrar os pais da dona da festa e ficar até mais tarde.
Chegamos quase todos juntos, os garotos. Combinamos estratégias para decidir quem ficará com quem, mas o certo é que todos escondemos uma carta em nossas mangas curtas - sempre há aquela menina que está à frente dos olhos de mais guris, e então certa astúcia extra será necessária. Fazemos barulho, nós todos, rimos alto, nos xingamos, falamos bobices e nos damos soquinhos de amizade – tudo para esconder o nervosismo que a chance de estar assim tão perto das gurias nos desperta.
Elas aguardam do outro lado da sala (da pista, do mundo) e conversam e riem como se nos ignorassem, como se a festa fosse apenas delas. Só sabemos que nos percebem pelas miradas rápidas e disfarçadas, de canto de olho. Esperam o primeiro corajoso – aquele que atravessará a sala, a pista, o mundo e, sob o nosso olhar de inveja, caminhará em passos sem volta para convidar a escolhida.
Ficamos ainda um tempo em nosso alarido de garotos que fingem ter crescido, brincando enquanto tomamos coragem, até que a dona da festa coloque Bee Gees no tocadiscos, e um de nós enfim decida: vou lá. E atravessa mesmo o salão, enquanto ainda fazemos piadinhas que continuam disfarçando nossa ansiedade – a decisão do amigo nos força a também decidir.
Ele se aproxima da garota que já sabe que é a escolhida, diz algo baixinho em seu ouvido – e ela o segue até o meio da sala, da pista, do mundo. A festa começou.
Ele a enlaça na cintura, ela joga os braços sobre o pescoço dele – e então ambos querem que as sete da noite não cheguem nunca.
Outros Contos
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