OS OLHOS DO MEU FILHO NOS OLHOS DE OUTRO FILHO
A correria em busca do ninho de Páscoa já havia terminado e eu e meu filho saíramos para buscar o almoço - ele carregado de chocolates e bombons como se fossem prêmios para os seus cinco anos de infância feliz - quando paramos no semáforo. A cidade estava vazia, ninguém a andar por pelas ruas e abaixo daquele sol queimante do meio-dia, mas o menino parecia me esperar, ao lado da sombra mínima de uma arvorezinha.
“Dá uma moeda, tio? Prá comprar um pão.”
Ele teria os cinco anos do meu filho. Talvez tivesse uns sete ou oito, mas a vida o deixara pequenino e, ainda que pudesse ser um pouco mais velho, tinha, sim, o tamanho do meu menino. E estava sozinho naquela esquina. Todas as crianças de um mundo justo deveriam estar procurando seus ninhos pascoais, ou se divertindo com o que já haviam encontrado - mas aquele menino me pedia uma moeda no sinal.
Procurei no console, havia umas moedinhas pequenas e uma nota de dois reais. Estendi-as todas ao pequeno, como se aquilo fosse significar alguma redenção, e ele me agradeceu, enquanto se espichava para olhar dentro do carro.
“Obrigado, tio.”
Naquele instante, o braço tranqüilo de meu filho se estendeu, carregando dois bombons tirados do seu enorme ninho.
“Ó. Prá ti.” - ele disse ao outro menino, e nada mais.
“Valeu.” - o outro agradeceu, e fez ao meu filho um sinal de positivo.
Então percebi que eles se refletiam num sorriso meio cúmplice e seus olhares se trocavam. E também percebi que eram olhares diferentes. O olhar de meu filho tinha mesmo cinco anos, o brilho inteiro de uma infância que recém se abria; o olhar do menino do semáforo era velho e sério, havia passado pela infância sem poder enxergá-la.
Um olhar cheio de chocolates, o outro pedindo moedas para comprar pão.
Quando o sinal abriu, arranquei o carro em direção ao almoço; meu filho seguia brincando no banco de trás com os tantos doces restantes. Mas na minha nuca, queimando, o olhar de pouca vida daquele menino parecia cravado.
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