O ANJO NA JANELA

Renato está sozinho em sua sala, no décimo-oitavo andar do edifício, de onde se enxerga quase toda a cidade. A sala é cheia de carpetes luxuosos e esculturas às quais não tem tempo para prestar maior atenção, ocupado que está – sempre – em números, ofícios, memorandos e preocupações. As rugas em seu rosto são mais velhas que os quarenta e cinco anos que verdadeiramente tem.

Ele está mergulhado em gráficos quando sente, vindos do lado de fora da janela, um barulho enorme, certa lufada forte de ar e um cheiro de tempo antigo. O barulho é grande, algo como mil colibris em vôo ao mesmo tempo. Impossível fingir que não escuta - e então Renato vai à janela.

Há um anjo parado no parapeito.

Um anjo.

Renato fecha os olhos, sem acreditar. Quando abri-los, deseja que aquela imagem não esteja mais ali e possa voltar normalmente ao trabalho (tanta coisa a fazer).

Mas quando abre os olhos novamente, o anjo segue no mesmo lugar. Olha para Renato com certa suavidade, percebendo-o. Dá a impressão de sorrir. Depois volta os olhos para toda a cidade, numa mirada grande – parece observá-la enquanto descansa, o anjo.

Renato não sabe o que falar, o que pensar, o que fazer. Então não faz nada, apenas fica ali.

O anjo segue em sua imobilidade celestial, como se recuperasse forças ou estivesse decidindo a direção a tomar. Permanece no parapeito bem uns cinco minutos, e vez por outra olha novamente para aquele homem engravatado e que parece tão triste. Sorri, o anjo; mas Renato não atina em sorrir-lhe de volta.

Então, de repente, o anjo recomeça o rufar rumoroso de suas asas e, com tanta elegância quanto lhe permite o tamanho, recomeça o seu vôo. É como se os mil colibris batessem asas ao mesmo tempo, e o cheiro de tantos anos volta a invadir a sala. O anjo olha ainda uma vez para Renato, como a despedir-se ou tentar dizer algo (o quê?), e depois desaparece em meio aos outros edifícios.

Renato volta ao trabalho, aos números, aos gráficos. Não sabe o que fazer, mas está decidido: não falará de seu anjo para nenhum amigo.

Afinal, quem de seus amigos acredita em anjos?


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