TIO GUNTHER, QUE NUNCA CHEGA
Anelise lembra ainda hoje.
As mesas grandes de domingo, os risos e as conversas, as cantorias e as emoções, a algazarra boa, a alegria só pelo fato de estarem reunidos, as crianças e adultos, os primos, as primas, os tios e tias, os avós e alguns outros parentes, a família toda.
Toda, não: faltava o tio Gunther.
O misterioso tio Gunther era o irmão mais novo do seu avô paterno, alguém que talvez fosse apenas um pouco mais velho do que o próprio pai de Anelise. E, nos almoços, a cada vez que, por engano ou desaviso, alguém tocava em seu nome, logo existia uma espécie de silêncio incômodo e sem explicação, e no minuto seguinte se mudava de assunto.
Às vezes parecia que chegava alguma notícia, um comentário nas vozes baixas da família, misto de condena e admiração: Gunther estava no Ceilão ou em Madagascar, em Macondo ou Paramaribo, e nem sempre em boa companhia. A história sempre incontada.
Até que Anelise, na curiosidade tanta de seus sete anos, resolvera perguntar à avó quem era mesmo o tio Gunther, por onde ele andava. E por que nunca aparecia? A avó sacudiu a cabeça, mas neste meneio também havia certo sorriso quando comentou:
“O Gunther está no mundo. Sempre foi da pá virada.” – e mais não disse.
Então o tio Gunther estava no mundo, soube Anelise – e esta descoberta teve a força de todas as fantasias: se não aparecia nunca e estava sempre no mundo, então o tio Gunther podia existir do jeito que a imaginação da pequena mais desejasse. Então ele poderia ser um alpinista escalando o Everest, o piloto de uma nave espacial, o marinheiro que salvava o navio inteiro ao desviar com perícia de um iceberg, o agente secreto que descobria os mais altos segredos das forças do mal, o herói que resgatava mocinhas das garras inefáveis dos bandidos. Poderia fantasiá-lo do jeito que quisesse, e a ausência dele nos almoços teria, a cada domingo, uma razão diferente e extraordinária.
E assim ela fez.
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Anelise cresceu e nunca viu o tio Gunther.
Mas até hoje ele é um dos seus tios preferidos.
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