MEU NOVO VIZINHO
Desde que me mudei para esta rua, prestava alguma atenção no vizinho que mora algumas casas abaixo da minha. Não que fosse muito bonito ou algo que o valha. Mas havia alguma coisa nele que, sim, me chamava atenção. Não a ponto de me atrair, ao menos no primeiro momento. Mas algo.
Talvez o fato de que ele seja ruivo, como eu.
Na primeira vez em que nos cruzamos, preparei o meu sorriso mais amplo de mulher simpática enquanto ele se aproximava – nós, ruivos do mundo todo, temos uma espécie de cumplicidade. Mas ele passou reto, como se eu nem estivesse ali. Aquilo não me decepcionou – havia naquele pequeno descaso certo ar de mistério e desamparo que, de alguma forma, me fazia prestar-lhe ainda maior atenção.
E seguimos neste jogo por uns tempos (eu, ao menos; ele, não sei). Cruzávamos pela rua – moramos numa viela calma da cidade – e eu, na minha timidez intranqüila, tentava disfarçar o incômodo bom que ele me causava. Passávamos um pelo outro sem cumprimento, sem nos olharmos. Eu olhava para outro lado, espécie de ignorância ostentosa, e conseguia perceber que ele me mirava com o rabo do olho. Parecia querer dizer algo, parecia que a coragem lhe faltava quando tentava olhar em meus olhos e só o que via era alguém que não o olhava. Talvez tenha me achado uma mulher pedante, sei lá.
Estávamos assim (acho que estávamos), nesta espécie de lusco-fusco sentimental, eu já pensando em tomar uma iniciativa, quando o ruim aconteceu: sonhei com meu novo vizinho.
Sonhei.
Nem se pode dizer que eu tenha, na verdade, sonhado com ele – de quem sequer sei o nome. O mais certo seria dizer que o vizinho apenas apareceu momentaneamente em meu sonho, tão silencioso e indiferente como sempre, e olhou-me com uns olhos de fogo triste que não pude evitar de perceber. Depois, num gesto rápido com a mão, pareceu golpear-me o rosto. E então se foi, deixando ao resto de meu sonho que acontecesse. O gelo de sua mão ficou grudado em minha face.
Desde então, quebrou-se o encanto do que poderia ter sido. Cruzo na rua pelo vizinho e só o que consigo lembrar é da tristeza enorme de seus olhos e do frio de morte de seus dedos invadindo o meu sonho. Já não consigo mais fingir que não o percebo – e tenho certo medo disso.
Acho que vou começar a andar pelo outro lado da rua.
Outros Contos
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