O PAI QUE ESPERA O FILHO ACORDAR
É domingo de manhã. Gustavo toma um café e lê o jornal em silêncio puro, aproveitando o sol raro deste inverno tão molhado. Milena foi ao mercadinho próximo, daqui a pouco deve estar de volta. Vez por outra, ele interrompe a leitura e espicha o olhar em direção ao quarto de Miguel; quer que o filho acorde logo, encha a casa com o alarido feliz dos seus três anos.
Sempre quer que o filho acorde. Mas hoje, mais que nos outros dias.
E não porque seja o dia dos pais, não.
É que ontem à noite, Gustavo começou a ler uma história para o pequeno dormir. Já era tarde, o pai estava cansado e achou que seriam apenas umas poucas páginas, figurinhas, uns comentários e logo, logo, o moleque estaria dormindo. Era assim, de costume: três ou quatro páginas, Miguel fazendo as perguntas sobre fadas e príncipes, heróis e dragões, os olhinhos baixando, fechando e, no mais das vezes, a história ficava incompleta, não dava nem tempo para o beijo de boa noite. No dia seguinte, o conto estava esquecido.
Mas ontem, não. Miguel tinha o sono de sempre, a hora de dormir já havia passado, mas ele lutava contra o fechar dos olhos e a favor da história. Queria sabê-la. Pediu ao pai para segurar um pouco o livro, acariciou os desenhos e as letras que ainda não conhecia e, pela primeira vez, disse que ler devia ser muito bom. Quando eu vou aprender as letras, perguntou, um brilho na voz. Depois, o sono mais denso a cada segundo, pediu ao pai que continuasse a leitura. Até que não conseguiu mais. Mas antes de dormir, ainda conseguiu pedir a Gustavo:
“Me ensina a ler. E amanhã de manhã, me conta o resto desta historinha. ”
Por isso, Gustavo quer que o filho acorde logo. Não porque seja domingo e tenha mais tempo para passar com ele, não porque Milena foi ao armazém e sejam apenas eles dois por um tempinho, não porque seja o dia dos pais e o filho lhe dê um beijo especial, mesmo sem saber ainda direito o porquê.
Não, por nada disso.
Quer que o filho acorde logo porque arde de vontade de lhe contar o resto da história.
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