A MEMÓRIA AO LADO
Ele sorvia com lentidão o capuccino no bistrô próximo ao seu apartamento – o máximo de caminhada possível sem que lhe doessem as pernas cansadas de anos – quando a moça se aproximou com certa timidez.
“Boa tarde.” – disse ela, o celular na mão esquerda, um tom de explicação – “Desculpe interromper assim o seu café, mas o senhor não é artista?”
Depois de tantos anos fora do ramo, ainda havia alguém para reconhecê-lo, pensou ele, com alguma vaidade. Sim, respondeu, sorriso modesto nos olhos antigos.
O rosto da mulher pareceu se iluminar.
“O senhor que fez aquela novela, fazia o papel de um rei meio bobo, não foi?”
Não, não era ele. Negou, firme em seu sorriso: não havia interpretado nenhum rei em sua carreira.
“Ah, desculpa!” – exclamou a moça – “Eu me confundi. O senhor trabalhou foi naquela novela em que mataram a Odete Roitmann, isso sim!”
Isso não; ele não havia atuado nesta novela. Talvez alguém parecido.
Ela mal pode esconder o embaraço, mas seguiu na carga. Deu um tapinha na própria cabeça antes da terceira tentativa:
“Mas é claro! Eu lhe conheço do cinema. O senhor trabalhou num filme, fez o papel de um cozinheiro alemão!”
Também não: nos três únicos filmes que havia feito, não havia cozinheiro alemão algum.
“Mas não foi o senhor que foi casado com a Ítala Lara?”
Bem que eu gostaria, pensou ele. Mas não: dos seus três casamentos, nenhum tinha sido com Ítala Lara.
A moça deu então um passo para trás, envergonhada, recolhendo o telefone – a foto com o ator famoso estava cancelada.
“Nossa, desculpa eu ter atrapalhado o seu café! Eu lhe confundi com outra pessoa.”
Olhou para o homem, como se pedisse desculpas:
“Na verdade, eu não lhe conheço.”
E voltou, sempre tímida, à sua mesa.
Outros Contos
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