GOSTO DE XIXI QUENTE
O casal andava numa fase de dengos mútuos que era uma coisa impressionante. Benzinho prá cá, amoreco prá lá, um carinho que, se não fosse tão natural, talvez até desse inveja a quem estivesse próximo. Mas era bom vê-los, o casal, naquele chamego todo.
E aí ele chegou, todo carinhoso, pedindo a ela que fechasse os olhos. Para experimentar uma coisa, disse ele.
Ela fechou os olhos, agarrou o copinho que ele lhe estendia e deu um rápido gole no líquido ali contido.
“Nossa! Que coisa ruim!!” – e ela fez uma careta, ainda de olhos fechados.
“Mas prá que dizer isso?” – ele protestou – “É um conhaque super elaborado! A fábrica tem duzentos anos!”
“Tem gosto de xixi quente. Duzentos anos e fazem um troço com gosto de xixi quente.” – ela desdenhou, abrindo os olhos.
“Tu sabe o gosto de xixi quente?” – ele provocou.
“Não. Mas deve ser melhor do que este teu conhaque aí.”
“Não fala assim do meu conhaque!” – reclamou ele.
“Mas que culpa eu tenho se tu me traz estas porcarias prá provar? Melhora teu gosto!..”
“Não esquece que sou casado contigo!..” – a voz mais alta.
“Opa! Provocação barata, não! Devagar no andor que o teu santo é de barro!” – a voz ainda mais alta.
“Como assim, o meu santo é de barro? O que tu quer dizer com isso?”
“Não te devo explicação, Alfredo! Fica na tua aí com teu copinho de xixi!” – a voz em grito.
“Me deve explicação, sim!” – a voz em grito mais alto.
“Não devo nada! E coloca este teu conhaque onde tu bem entender, que eu não preciso agüentar provocação!”
E foi para o quarto, batendo a porta.
****
Há duas semanas só se falam o necessário. Cruzam pela casa num silêncio incômodo, esbarrando-se sem pedir licença, um esperando que o outro baixe a guarda, peça desculpas e possam talvez voltar à harmonia de antes.
Enquanto isso, em pequenos goles de despeito, ele vai bebendo o conhaque. E ela não entende como alguém pode beber algo tão ruim.
Outros Contos
|