FOGO ESPECIAL

Os sete casais eram amigos há anos, e também há anos se reuniam seguidamente para celebrar esta amizade. Jantares, cafés, viagens, passeios, às vezes nem isso – era só se encontrarem e tudo bem.

Noite dessas, no meio de uma paella valenciana na casa do Cláudio e da Rosane, aberta já a décima garrafa de vinho, o Zé Mario propôs que brincassem de contar com quem da turma gostariam de ter casado, se não estivessem cada um com seus respectivos maridos e mulheres. O pessoal, mesmo no meio do vinho, ficou meio reticente – brincadeiras desse tipo sempre podem dar problema. Inclusive a Adri, esposa do Zé Mario, que deu-lhe um mal-disfarçado cutucão na barriga. Mas o Zé Mario insistiu:

“Que é isso, pessoal? A gente se conhece há anos, todo mundo aqui é amigo e adulto para entender uma brincadeira. Vamos lá, gente!” - e, para que ninguém tivesse o tempo de dizer não, resolveu ele mesmo começar. – “Eu, por exemplo, gostaria de ter casado com a Elisete.”

“Por quê?” – perguntou o Rodolfo, marido da Elisete – e havia um certo tom nervoso em seu sorriso.

“Porque, porque... porque ela é bonita, inteligente – não que todas as outras não sejam – mas, sei lá, a Elisete tem um charme, um fogo especial.”

O pessoal riu meio constrangido. Estavam naquele jogo por todas as garrafas de vinho, entendendo uma parte e relevando outro tanto, mas mesmo assim: fogo especial era quase uma demasia.

“Minha vez!” – adiantou-se a Adri e, antes que alguém dissesse alguma coisa. – “Eu gostaria de ficar com o Rodolfo. E sabem por quê? Porque eu acho que ele é bonito e inteligente. E, sei lá, acho que ele tem um charme, um fogo especial.”

“Fogo especial, como?” – perguntou o Zé Mario.

“O mesmo da Elisete, decerto.” – respondeu a Adri, seca.

Houve um silêncio em que ninguém sabia o que dizer. E então o Cláudio, como era o dono da casa, resolveu perguntar, como se fosse este o assunto da noite:

“E a Copa, hein? Será que dá Brasil?”

E seguiram mais um tempo falando sobre futebol, meio sem jeito, doidos todos para irem embora - a Adri e o Zé Mario emburrados cada qual em seu canto, Rodolfo e Elisete subitamente envolvidos na tristeza de pensarem onde haviam perdido, um para o outro, aquele fogo especial.


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