A NETA DA DESQUITADA
Quando, alguns anos atrás, Saulo apresentou a nova namorada à família, a avó obviamente quis saber de quem a moça era filha. Quando Marilene explicou parte da sua árvore genealógica, desfilando nomes e parentescos, a avó sorriu amarelo e mais não falou até o final do jantar. No dia seguinte, quando lhe perguntaram a razão de tamanho silêncio, explicou sem maiores rodeios:
“Ela é neta da Zulmira.” – e então, como se pronunciasse um palavrão pesado ou confessasse certo pecado grave – “E a Zulmira era desquitada!”
Uma desquitada, então. Mais de quarenta anos atrás. Quase um exílio.
Pouco adiantou dizerem à avó que dona Zulmira já havia morrido há mais de dez anos, nem que havia vivido uma solitária invictude após o mal-falado desquite. Muito menos que havia morrido em paz com tudo e com todos, até com a religião.
“Não. Uma desquitada não pode ficar em paz.” – vaticinou a avó.
E lançou-se a lamentar a má sorte do pobre neto.
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Saulo e Marilene casaram-se na semana passada, depois de seis anos de namoro, numa festa linda e cheia de convidados. A avó de Saulo, toda elegante num vestido amarelo e num chapeuzinho branco que lhe emprestava ares de rainha da Inglaterra, era das mais animadas. Depois de tanto tempo, a verdade é que adora a esposa de seu neto, e estava felicíssima de que ele, chegando aos trinta, finalmente resolvesse se emendar. Cumprimentando e sorrindo a todos, a avó não se cansava de elogiar os noivos. Do neto, o quanto sempre fora querido e ajuizado. De Marilene, quão linda e prendada era aquela moça. Um mimo, comentava a avó. E então, num sorriso cândido:
“Nem parece que é neta de desquitada.”
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