OS MESMOS PASSOS

Eu saíra do banco onde fora acompanhar de perto as más notícias sobre o meu saldo bancário e andava pela rua com aquela pressa sem nome que nos acomete quando caminhamos pelas grandes cidades, quando percebi o casal, parados ambos em frente à vitrine de uma livraria. Ela teria os seus oitenta anos, a pele clara, belos e suaves cabelos brancos; ele era certamente alguns anos mais velho.

E estavam de mãos dadas.

A cena foi quase um choque para mim (vergonha), tanto que parei para observá-los. Ninguém mais os percebeu (vergonha). Alheios à correria inexata e buliciosa das ruas, em que as pessoas pareciam se cruzar como se estivessem sozinhas, o casal observava os livros expostos na loja como se nada mais houvesse ao redor. De repente, ela fez um comentário ao ouvido dele, provavelmente algo de pouca importância, e ambos riram. Riram – de mãos dadas, companheiros de décadas, sem dar a menor pelota ao mau humor da cidade. O prazer não requeria maiores pompas. Depois, saciados da vitrine, decidiram seguir em frente.

Andaram vagarosamente uns poucos metros em direção à esquina, o tempo inteiro de mãos dadas, tanto carinho como apoio, e como se as mãos unidas os transformassem em algo semelhante a uma só pessoa, esperaram o semáforo abrir sem prestar atenção aos outros todos que corriam o sinal vermelho achando que assim ganhavam tempo. Esperaram até que o sinal esverdeasse e só então seguiram o seu caminho conjunto em passinhos miúdos e confortáveis.

Passos leves, eram.

Eu fiquei a observá-los ainda uns segundos, enquanto se afastavam aos poucos, sem pressa (sem necessidade de pressa). Quem tem oitenta anos e ainda anda pelas ruas de mãos dadas sabe o tamanho do tempo, pensei. De mãos dadas, sempre, sabe-se lá por quantos caminhos – os mesmos passos, o mesmo ritmo, a mesma velocidade, ombro ombreando ombro, juntos. O resto, para eles, parecia pouco importar.

Enquanto isso, ao redor, a cidade seguia correndo.


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