ACERTO DE CONTAS
Quando desembarcou na minúscula rodoviária de Campo Seco, tudo o que Berenice tinha era a fotografia antiga e o desejo difuso de finalmente acertar as contas com o homem que, quarenta anos atrás, a fizera sair quase fugida daquele pequeno fim de mundo. Olhou ao redor e o lugarejo ainda era tristemente o mesmo; apenas as casas do entorno estavam mais derruídas.
Talvez nem fosse vingança o que desejasse, pensou ela ainda outra vez, enquanto atravessava a rua em direção à praça central. Mas queria ao menos conversar com Ernesto, saber por que ele havia feito aquilo, porque jogara na lama o seu nome – e aí, sim, talvez vingar-se. Mas não sabia como. E primeiro precisava encontrar aquele canalha.
Passou pela praça e entrou na barbearia. Igual a quarenta anos atrás, só o barbeiro era diferente.
“Bom dia. Alguém poderia me dar uma informação?” – e, tirando da carteira a fotografia amassada. – “Sabem onde eu posso encontrar este homem? O nome dele é Ernesto.”
A foto passou de mão em mão entre os clientes, que a olhavam com atenção distraída.
“Quantos anos tem esta foto, senhora?” – perguntou o barbeiro, solícito.
“Quarenta.” – respondeu Berenice, e ele então a olhou como se a mulher lhe pedisse uma tarefa impossível.
Mas outro pegou a fotografia, mirou-a com atenção renovada e tentou.
“Sei lá, até pode ser o vô Titico...”
Os outros se aproximaram, concordando. Há quatro décadas, ele poderia parecer com este homem da fotografia. Mas o nome do vô Titico era Ernesto? Ninguém sabia – toda Campo Seco o conhecia só como vô Titico.
“Ele é o Papai Noel da cidade. Desde que eu era pequeno.” – Berenice olhou para o homem, que teria seus trinta anos, e ele parecia emocionado. – “Mas este ano, não. A diabetes não deixa mais o vô Titico levantar da cama. A vida não é fácil, senhora...”
Senhora, pensou Berenice, e de repente tudo era um clarão: viera acertar as contas com Ernesto, o homem que a enganara, e o que encontrava era este incerto vô Titico, Papai Noel daquele fim de mundo, jazendo doente na cama sem poder se levantar. E se não fosse este, seria outro. Então olhou para si, senhora aos olhos dos outros, cintura sexagenária apertando o vestido, o cabelo azulado, os vincos; não era para vingar-se de um avô doente que havia viajado. Um erro - melhor esquecer. Não devia ter vindo.
Vou embora, pensou ela, enquanto outro cliente da barbearia pegava a foto e comentava que aquele ali não parecia o vô Titico.
Outros Contos
|