MEIA LUZ, MEIA VERDADE
Então levantou os olhos e percebeu que a mulher o encarava. Um olhar firme e algo irônico, no qual se podia adivinhar certa ardência destinada a poucos. Talvez nem fosse alguém a quem dedicasse maior atenção se simplesmente cruzasse com ela na rua. Mas ali, não: eram uns poucos hóspedes distribuídos na penumbra do bar do hotel, e ela e ele eram os únicos a estar sozinhos. A mulher bebia um martini, e sua solidão tranqüila lhe emprestava uma sensualidade misteriosa, que se acentuava no olhar quente que, sem disfarçar, alcançava ao homem. O que fará uma mulher sozinha num bar de hotel, indagou ele.
Cumprimentou-a com um aceno breve, leve o suficiente para – se necessário – ser recolhido. Mas a mulher sorriu e acenou um retorno com promessas de fantasia. Ele sorriu de volta e no instante seguinte estava parado em frente à mesa daquela hóspede.
“Posso te pagar uma bebida?”
“Não.” – ela riu, frente àquela abordagem tão antiga. – “Mas pode sentar.”
Ele sentou-se e ela estendeu a mão, quase divertida.
“Meu nome é Julia.” – disse. – “E o teu?”
“Renato.” – respondeu ele, percebendo que Julia segurava a mão dele com certa intensidade nova e por mais tempo do que necessário.
E começaram a conversar como se já se conhecessem, próximos e quentes, as pernas cruzadas de ambos tocando-se sem disfarces por baixo da mesa. Ela pareceu contar da vida - mas não tudo, apenas uns poucos, para que os mistérios não se desfizessem.
De repente, o telefone de Julia tocou. Ela olhou a tela do aparelho, suspirou como se estivesse em dúvida e atendeu.
“Oi, amor!” – exclamou ela. E então seguiu conversando por cinco minutos com o marido, dizendo o quanto estava com saudades, que em dois dias já estaria em casa, que agora estava jantando solitária e triste, e que tão logo acabasse de jantar iria para o quarto. “Vou dormir com saudades de ti.” – encerrou ela.
Quando desligou o telefone, olhou para Renato e encostou firmemente a perna no joelho do homem.
“Agora, a escolha é tua. Continuamos ou paramos aqui?”
O mistério, ele pensou - antes de responder que sim.
“Bom.” – ela disse, e então o encarou com um sorriso novo. - “E talvez eu nem me chame Julia.”
Outros Contos
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