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O CONTO AO VIVO
No supermercado, a menina do caixa me cumprimenta e, antes de perguntar se estou inscrito na nota fiscal gaúcha, titubeia por um instante. Depois, começa a passar as mercadorias e sorri para mim enquanto parece tomar coragem. Até que resolve perguntar:
“Tu que é escritor, né?”
Respondo que sim, e também sorrio – a pequena vaidade de ser reconhecido.
“E escreve no jornal, também.” – ela pergunta e não pergunta; já sabe a resposta.
“Isso. Todo domingo.”
“E de onde tu consegue tirar tanta história?” – indaga ela, enquanto registra as frutas e um pacotinho de queijo gorgonzola.
Olho para o lado e percebo que não há fila. Então explico que estou sempre prestando atenção às coisas que acontecem e que qualquer palavra dita, qualquer situação ou cena que vejo, uma letra de música, um cheiro – tudo pode virar texto para mim.
Ela me olha com certa surpresa espantada e sinto um carinho imediato por esta menina que não conheço.
“Nossa!” – exclama ela. – “Deve ser difícil!..”
“Nem tanto.” – respondo eu. – “Com o tempo a gente pega o jeito...”
Ela sorri outra vez e me dá o preço de minhas compras. Estendo-lhe o valor e recebo o troco. Quando estou prestes a me despedir, ela parece tomar nova coragem:
“Às vezes eu leio as tuas crônicas.”
“Ah, é? Que bom!” – digo eu. (Há horas desisti de explicar que o que escrevo são contos; na verdade, nem sei mais o que são.)
Ela então sorri outra vez, olha para baixo e diz o que parecia querer dizer desde o início:
“Mas eu não gosto muito.”
Outros Contos
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