|
AINDA GILDA
Marcelo andava sem compromisso pela avenida principal da cidade quando ela, caminhando com a pressa de quem corre sem saber, deu-lhe um esbarrão quase violento. Antes que prosseguissem em seus caminhos sem desculpas, ele a reconheceu – e, súbita, uma lembrança emocionada apertou-lhe o coração solitário.
“Gilda!” – exclamou ele. Vinte e tantos anos atrás haviam sido colegas na escola e ele, garoto tímido, fora apaixonado por ela durante os três anos em que estudaram juntos, sem nunca conseguir dizer-lhe isso. Gilda, a garota mais bonita da sala. Gilda, que usava a saia uns dedos mais curta que as outras. Gilda, a que todos os colegas desejavam. Gilda, aquela que não dava a eles a menor bola e a quem um namorado motorizado esperava sempre após a aula.
E agora Gilda, a quem os anos haviam sido inclementes.
Porque quem o mirava com certa surpresa desagradada era uma mulher envelhecida, rugas de tristeza nos cantos da boca e olhos que pareciam haver sofrido em noites e dias além da conta.
Mas ainda era Gilda – paixão nunca resolvida.
“Gilda!” – ele repetiu. – “Sou eu, o Marcelo! Da escola, lembra?”
Ela sorriu como se não sorrisse e pareceu lembrar.
“Claro, claro! Tudo bem contigo?” – e antes da resposta – “Mas me desculpa, agora não posso conversar. Meu ônibus está saindo e o próximo é só daqui a uma hora.” – e apontou a parada, uma quadra adiante.
Gilda, a quem ele amara em silêncio, agora estava sozinha à sua frente - onde o namorado de carro bonito? - e ele não podia deixá-la partir assim sem nada.
“Não!” – ouviu-se exclamar. – “Vamos tomar um café e botar um pouco do assunto em dia!”
“Não dá.” – ela insistiu. – “Meu ônibus está quase saindo.”
“Deixa o ônibus. Tomamos o café e depois eu te levo em casa.” – o menino acanhado nunca teria esta coragem, nem ele mesmo sabe de onde tirou o impulso.
Ela pareceu não entender bem a proposta. Depois olhou-o novamente, sem saber o que pensar, mas achando que talvez, naquela conversa, estivesse o início da tranqüilidade que há tanto não tinha.
“Está bem, então.” – e abriu timidamente o seu sorriso de abandono.
Outros Contos
|